Tucanos implacáveis com quem denuncia corrupção, dóceis com trensalão
publicado em 2 de abril de 2014 às 19:34
João Ribeiro: “Para se ter uma sociedade mais justa, cada cidadão deve fazer a sua parte. No caso do servidor público, um dos deveres é denunciar irregularidades. Foi o que fiz.”
por Conceição Lemes
Quem conhece o técnico João Ribeiro, lotado na Delegacia Regional Tributária de Marília, garante: é um servidor público exemplar. Além de competente, possui comportamento irrepreensível.
Ele tem 54 anos, 25 dos quais na área de arrecadação tributária da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP).
Em 24 de janeiro de 2003, indignado com o que ouvia e se comentava no órgão sobre várias irregularidades, João fez uma denúncia anônima ao Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE-SP).
Do seu endereço eletrônico funcional, enviou e-mail, contando que dois diretores da área de fiscalização estariam envolvidos no desvio de créditos acumulados de quase R$ 1 bilhão (valores da época, não atualizados).
Ele relatou estranheza pelo fato de os dois diretores sob suspeição na gestão tucana– atuaram na área no governo Mário Covas, de 1995 ao segundo semestre de 2002– terem se aposentado compulsoriamente meses antes. Também que a mesma coisa já havia acontecido com os dois diretores do mesmo setor, em 1992, no governo Luís Antônio Fleury (na época, no PMDB).
Naquela mesma época, observou João no seu e-mail, esquema de corrupção envolvendo o chefe da Fiscalização do Estado do Rio de Janeiro tinha sido descoberto. E lá, diferentemente do ocorrido em São Paulo, havia sido apurado e os fiscais até exonerados.
No e-mail, João questionou ainda por que o caso de São Paulo não era averiguado.
“Embora o e-mail fosse anônimo, para enviá-lo, eu tive de entrar numa página do MP e fornecer todos os meus dados”, expõe-nos João Ribeiro. “De forma que o Ministério Público sempre soube quem eu era.”
No MP, a denúncia foi direcionada ao promotor Silvio Marques, que abriu um procedimento para apurá-la.
Marques encaminhou ofício ao procurador-geral de Justiça, Luiz Antônio Marrey, que comunicou o caso ao então secretário da Fazenda, Eduardo Guardia, pedindo informações. Junto, mandou o e-mail e o telefone de João.
A partir daí, a vida do funcionário denunciante tornou-se um inferno.
A Secretaria da Fazenda instaurou processo administrativo. Em julho de 2007, demitiu-o com base na lei 10. 261/68, a chamada Lei da Mordaça. Já revogada, ela previa a punição a servidores que se manifestassem “depreciativamente” sobre autoridades ou atos da administração.
João recorreu. Em fevereiro de 2008, por decisão de caráter liminar, foi reintegrado.
Em fevereiro de 2009, ganhou em primeira instância. A decisão foi do juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de Justiça de São Paulo.
Em sua decisão, Lima Porta faz referência ao “parecer do iluminado Procurador, Dr. Estevão Horvath, que aqui é adotado como parte integrante desta decisão”. Horvath pediu arquivamento do processo contra João.
Vale a pena ler o arrazoado do juiz, dando ganho de causa total a João. Desde a invalidação do processo administrativo ao pagamento dos dias em que foi afastado compulsoriamente.